quinta-feira, novembro 15, 2007

336 km no XCeará 2007



por Gil Navalho

Viva

O Ceará continua a bombar e os voos termina
m por sair!
Impressionante, voa-se todos os dias sem excepção.
É claro que o momento da descolagem é sempre emocionante e é preciso acreditar piamente na ordem para descolar dada pelo Expert local.

O Team Outsider ontem revelou a sua arma mais letal: Gonçalo Velez, conhecido nalguns locais por Gonçalo "Trepa-Tudo"!
O nosso artilheiro trabalhou como observador avançado e... 300kilos para o homem, em grande!

De resto tivemos o Brazuka, o Bruto e o Reis a defender posição, ficaram logo no início a mandar canhoadas para o pessoal que pretendia passar. Era só o que faltava, irem para distância, lenha nos gajos e venham para o chão.

Agora sobre o voo de ontem.
O início foi muito difícil (tecto a 1300m), mas isso já é habitual.
Até Madalena (km60) temos de voar em condições de sobrevivência total.
Transições muito curtas, tecto baixo e muito azul. No fundo é aguentar no ar, e esperar que o vento nos leve. Em Madalena o tecto já batia os 2000m.
A partir dai as coisas são "menos" dificeis. Começam a aparecer mais cumulos.
No entanto o dia era algo anormal, a térmica era muito turbulenta, e quase impossível de centrar. Tive de me empenhar para a asa não andar a largar peças pelo caminho...
Em Monsenhor Tabosa (km120)o tecto já atingia os 2400m (o chão está pelos 200m). Os cumulos começavam a ficar mais apetitosos e surgiam as primeiras linhas de confluência, se bem que curtas.

A partir de Poranga as coisas melhoram significativamente, confluências mais definidas. No entanto era necessário decidir o alinhamento a seguir muitos quilometros antes, pois as descendentes são brutais, e o vento
não permite andar a "passear" de um lado para o outro à procura da térmica (que inveja que eu tenho das Delta).
Depois de Poranga é que o Ceará mostrou "com quantos paus se faz uma canoa"!
Percorri muitos quilos de borla debaixo das confluências. É necessário ter o cuidado para não cair fora delas, e temos de saber escolher muito bem a faixa de altitude de trabalho. Ir junto à base implicava perder muito tempo, e tb estava freskote (tecto a 3000m). Por isso era andar ali a boiar entre os 2700 e os 2400.

O final de dia foi fabuloso. Foi a "cereja no topo do bolo". Depois de um dia em que andei horas a levar porrada da velha, um final de voo com termal suave e a poder apreciar a paisagem... Beleza!

O final do meu voo foi sobre uma zona de floresta com uma única estrada de terra. O cenário é bonito, o vermelho da terra a contrastar com o verde.
Aquela zona marca
o início da Amazónia, com um floresta ainda baixa, mas numa clara mudança da paisagem relativamente ao Sertão, em que tudo é muito seco...
As aterragens, essas são escassas. Mesmo na estrada existem poucos locais, dado que as copas das árvores fecham a estrada e a essa hora não há vento ao nível do solo. E com a restituição é necessário muito espaço para por o estojo no chão.
No final, 336 kilos em 8h30 de voo. O vento deu uma ajuda e consegui uma média bem melhor do que no voo anterior. Hoje não fui voar. As recolhas à brazileira a funcionar no seu melhor.
Cheguei ao hotel já depois das 7h, e já tinham saido os primeiros transportes para a descolagem. Mas também não faz mal, o vento esteve muito forte e atravessado.
Descolaram muito poucos pilotos de parapente. O vento e o power da termal eram de tal forma que eles nem sequer conseguiam penetrar, esbarrando na parrede
da térmica e a irem direitinhos para o chão.
Um pilto brasileiro de parapente relatou que fez vários SIV´s seguidos numa encosta por trás da descolagem!
Ao que parece houve um acidente com uma Delta, fez tumbling e partiu. O gajo não conseguiu abrir o reserva, e terminou por cair em cima de umas árvores. Tanto quanto ouvi, ele magoou-se mas estava a caminhar, perdeu os instrumentos e por isso não consegue dar as coordenadas do local. Para ajudar à festa não há pilotos a voar hoje para indicar a posição desta delta, e devem estar uns 45º no solo; Acabei de saber através do Chico Santos que o Heli está a chegar agora ao local, e a viatura de assistência está próxima.

Por certo que regressarei ao Ceará para voar. Por isso vão pensando quem quererá vir e juntar-se ao Team Outsider para XC no seu melhor.

Na classificação provisória que afixaram estou em 1º lugar. Mas ainda não constam lá os descartes, pelo que deve vencer a prova o Thomas Brauner e o Navalho em segundo.


Navalho

quarta-feira, novembro 14, 2007

Recorde Mundial, 461,8km!!






















por
Rafael Saladini

Hoje completamos 31 dias no sertão nordestino e a cad
a dia que passa o recorde mundial parece mais distante.
Os ânimos já estão c
ompletamente abalados, a pressão de ter passado tanto tempo em busca de um objetivo já há muito tempo pesa em nossos ombros, e não resta mais muita motivação e nem muitos dias. A situação atual também não é das mais confortáveis, pois durante o XCeará muitos pilotos começaram a copiar nossa estratégia de decolar bem cedo e sobreviver durante a manhã, o que nos pressionou psicologicamente ainda mais.
Afinal não seria justo após tantas tentativas e tanto est
udo do local, chegar um estrangeiro e quebrar a marca de 423 km. Seria um desastre.
O mais importante naquele momento era tentar abstrair toda a pressão e confiar em nossa própria capacidade.


O dia amanheceu azul prometendo condições perfeitas para bater o recorde. No entanto, durante os momentos iniciais do vôo, o cenário foi mudando radicalmente, com uma camada de stratus densa condensa
ndo acima dos primeiros cumulus do dia e sombreando a rota. Um desânimo inicial quase atrapalhou o dia que proporcionaria o primeiro vôo acima de 450km no Brasil.
Meu vício de abrir a cortina do quarto para checar a condição pela manhã nã
o existe mais.
Prefiro não mais ter opinião sobre o dia antes de chegar a Monsenhor Tabosa voando. Mas logo na subida da rampa, já havia uma densa camada de humidade em médias camadas da atmosfera desanimando muito os pilotos.
Alguns pilotos até riram quando colocamos a vela em posição de decolagem, o cenário indicava um prego logo atrás da rampa em Custódio.

Havíamos combinad
o em voarmos juntos para acelerar a velocidade média até o fim do dia. A dúvida era saber se isso seria possível, afinal voar dez horas completamente juntos no mesmo ritmo seria extremamente difícil.

Decolamos as 7:20h completamente desacreditados pelos que nos observavam. Alguns outros pilotos corajosos decolaram no mesmo horário.
Logo na saída o plano de voarmos juntos já não funcionou. Nos separamos na primeira térmica e acabei saindo da rampa em companhia de Francisco Ceará e André Modelo, enquanto Frank e Cecéu resolveram esperar mais alguns minutos.
Minha saída foi desastrosa, minha segunda térmica praticamente não existiu, eu acabei me separando de todo mundo e fui para uma altura crítica próximo a serra do padre (km 15).
Cheguei a 150 metros de altura embaixo de uma região completamente
sombreada, eram quase 8:00h e minha situação não era nada confortável. Com muito custo consegui encontrar uma maneira de sobreviver e voltar para o vôo.
Cecéu e Frank saíram um pouco atrás também em situação complicada, cruzando uma extensa região húmida e muito sombreada. Conseguiram sobreviver se arrastando pelos monólitos daquele inicio de vôo. Enquanto isso, André e Ceará deslocavam-se por uma rota um pouco mais a direita e já enga
tavam numa condição muito bem formada, colocando uns bons 10 km a nossa frente.
Minha ansiedade era grande, mas ainda restavam mais de 9 horas de vôo.
Quando avistei Frank e Cecéu juntos a cinco quilômetros de mim, pensei que poderíamos facilmente conectar em pouco tempo. Errado.
Como era muito cedo e os ciclos ainda estavam bem cur
tos, não consegui me manter no mesmo lugar e fui obrigado a continuar adiante sozinho até que eventualmente eles pudessem me alcançar para juntarmos o grupo.

Antes de Madalena chegamos a ficar bem próximos, mas como minha linha de térmicas estava funcionando bem melhor, acabei me adiantando ainda mais em relação a eles.
Frank e Cecéu escolheram uma linha complicada, que os manteve o
tempo inteiro com a corda no pescoço até o platô de Monsenhor Tabosa.
O resumo desse inicio de vôo era um cenário complicado, com nuvens estratificadas em camadas médias da atmosfera filtrando muito o sol já fraco da manhã, o grupo desmantelado com Cecéu e Frank juntos não conseguindo se desloc
ar satisfatoriamente para me alcançar, eu totalmente sozinho à frente com um medo enorme de cair, André e Ceará com 10km de vantagem e a total certeza de que se sobrevivêssemos a manhã, facilmente chegaríamos nos 400kms.
Mas nós tínhamos um problema, uma dupla de pilotos extremamente competentes e capazes, voando juntos a nossa frente. Isso significava que estávamos atrasados.
Minha ansiedade em conseguir me aproximar da dupla era tão grande quanto a minha ansiedade em conectar com Cecéu e Frank. Resolvi acima de tudo controlar minha ansiedade e mentalizar sobre a minha real situação. Correr s
ozinho não adiantaria nada e seria assumir um risco muito grande para a hora. E mesmo que conectasse com André e Ceará, pilotos antigos e experientes, acredito que sozinho não teria condições de influenciar nas decisões deles.
Minha ideia era atrasá-los ao máximo para dar tempo ao Cecéu e
Frank de me pegarem. Optei por confiar na capacidade do nosso trio para pegá-los mais tarde. Decisão conservadora que talvez tenha sido importantíssima para ajudar o grupo. Assim que pulei para o platô de Monsenhor Tabosa, voando burocraticamente consegui dar tempo para que meus companheiros se juntassem a mim.

Fiquei enrolando numa bolha fraca para delinear a linha
de perturbação para que eles tivessem mais segurança em pular mais rápido e mais baixo. Funcionou.
Est
ávamos no km 110 e finalmente conectamos o time. Um recorde mundial estava sendo construído naquele momento.
André e Ceará cruzaram a serra de Tabosa e rapidamente entravam na pl
anície de Nova Russas com uma vantagem considerável. Nós nos arrastamos pelo platô em seu teto de 700m do chão. Logo no final do platô me desconectei brevemente, pois encontrei um miolo térmico excelente que me colocou 400m mais alto que os dois, e para tentar pressionar André resolvi me atirar, mesmo não estando na base da nuvem, em sua direção para tentar obrigá-lo a abandonar sua térmica para não me deixar alcançá-lo. A estratégia funcionou muito bem, André aproveitou que já se encontrava em boa altura, para abandonar sua térmica e me tirar a referência. Mesmo assim foi possível encontrar a mesma térmica e assim delinear mais uma para adiantar meus parceiros.
A idéia de voarmos juntos era excelente e só traria benefícios, caso ocorresse
de fato. Um exemplo da dificuldade de voar em grupo foi a própria dupla a nossa frente, pois Ceará e André se separaram logo na saída do platô, onde Ceará acabou arriscando mais do que deveria, ficando muito baixo e permitindo que nós o ultrapassássemos. Pressionado por ter sido ultrapassado, Ceará acabou tomando decisões precipitadas e confiou demais na condição.
Acabou caindo por volta de 11:00h perto de Nova Russas.
O trio seguia forte, e mesmo não coincidindo muito bem com os ciclos, conseguíamos nos deslocar com uma boa velocidade média para o recorde.
André estava voando muito bem e com um timing de ciclos té
rmicos praticamente perfeito, enquanto nós, sempre 10km atrás,nos arrastávamos sem conseguir pegá-lo. Nosso ritmo foi razoável no trecho Nova Russas (km175) – Pedro II (km270).
Rastreávamos de forma eficiente e amistosa, o espírito de grupo que imaginamos em nossas conversas finalmente tomava cara, éramos um só organismo.
Uma atitude próximo
a Pedro II-PI confirmou. Colocamo-nos numa situação complicada e sobre pressão.
Chegamos a Pedro II numa altura crítica para a hora, 500m do chão ás 14:20h, e estávamos presos a uma térmica extremamente fr
aca que nos tomaria muito tempo para subir, e tempo era uma coisa que não tínhamos, o relógio é sempre o maior inimigo de um recordista.
Afinal o objetivo do grupo não era o Xceará e muito menos acumular mais um vôo de 300km. Resolvi partir para a agressividade em prol do grupo. Avisei meus parceiros pelo rádio que arriscaria todas as minhas fichas numa nuvem logo após Pedro II.
A resposta foi
sensacional: “Se um vai, tem que ir todo mundo. É recorde ou chão!!!”
Um açude grande logo após a cidade de Pedro II com uma nuvem enorme muito bem formada bem acima dele era nosso destino. Nossa bem desenvolvida
análise de nuvens não poderia falhar naquele momento tão especial do vôo-livre brasileiro, com três pilotos do mesmo país na iminência de quebrar o recorde mundial juntos.
Eram quase 14h30minh e estávamos beirando os 300 km de vôo, ainda tínhamos mais 3 horas de vôo e pouco menos de 150km para o recorde.
Nosso maior medo era entrarmos atrasados no ciclo daquela nuvem, um erro seria fatal naquela altura.
Cruzamos o açude e não batemos
em nada. Na verdade erramos na navegação, e para a nossa sorte o erro ainda era contornável, pois usamos o chamado ângulo do desespero, quando não resta mais muita opção, o jeito é jogar 90 graus em relação ao vento para encontrar qualquer linha de perturbação que possa ajudar.
A teoria ajudou na prática. Jogamos para a direita, batemos numa linha ativa, que era a linha ativ
a da nuvem, e em meio a uma falhadeira, acabamos encontrando um miolo de uns 3m/s que melhorou bastante nossa situação. Rapidamente estávamos em uma altura confortável e suficiente para continuar nos deslocando.
Fizemos uma pequena transição até a nuvem seguinte, onde finalmente atingimos em cheio o ciclo, nos posicionando muito bem para o h
orário, 14:40h na base da nuvem a apenas 15 km de PiriPiri-PI (km 310).
Uma desconfiança de que o recorde de fato poderia ser b
atido começava a nos angustiar. Na transição para PiriPiri enxergamos André muito baixo tentando sobreviver um pouco antes da cidade. Ele de fato cometeu um erro fatal em ficar tão baixo por ali e acabou pousando. Apesar de ter a certeza de que mais cedo ou mais tarde o pegaríamos, um alívio tomou conta do grupo, afinal a partir de agora tudo só dependeria de nós.
O cenário a frente não era dos
melhores. Apesar de sempre termos lidado com cirrus e adversidades naquela região final do vôo, aquele céu por um momento nos assustou, pois estava muito húmido e com nuvens estratificadas em camadas médias e baixas da atmosfera.

O deslocamento até Barras (km 375)foi muito bem estudado e sem grandes emoções, passamos a direita da cidade um pouco antes das 16:00h.
Ainda tínhamos 1h e 45m para o pôr-do-sol, que estava marcado para as 17:43h de acordo com o GPS. Para homologar um recorde devemos cumprir com as regras locais de aviação, e no Brasil aeronaves
sem instrumentos adequados para navegação noturna, devem pousar antes do horário do pôr-do-sol.
A partir de Barras-PI tomamos decisões rápidas e estratégicas para nos posicionarmos bem naquelas horas finais.
O maior desafio foi conter a ansiedade para manter a velocidade média, que é sem
dúvida o ponto mais importante para atingir o objetivo em tempo hábil. O maior problema de voar o dia inteiro é ser capaz de adaptar-se as horas do dia, ou seja, durante a manhã não é necessário ter pressa e assumir muitos riscos que podem facilmente te colocar no chão.
A partir das 11:00h a condição já começa a arredondar e já torna-se mais confiável, permitindo um desloc
amento mais agressivo e constante, mas o problema principal é durante o final de tarde, quando o piloto já vem com um ritmo acelerado das horas mais fortes do dia e não percebe que chegou a hora de desacelerar o ritmo para não cair. Pilotos demasiado agressivos podem até ter a sorte ou encaixar-se perfeitamente nos ciclos, mas acredito ser muito difícil não cometerem erro algum.
Comparo essa transição do meio para o final da tarde com a chegada de uma longa viagem, onde o condutor entra em área urbana num ritmo de rodovia, acima do limite de velocidade e com
o já está bem perto de casa (recorde) acaba relaxando e perde a concentração pelo cansaço. São nessas circunstâncias que acontecem grande parte dos acidentes. Portanto, assim como dirigindo, é sempre importante manter a concentração e o foco até o final, pois um pequeno erro pode custar caro. Aprendi isso durante dois grandes vôos que realizei em Quixadá, pois quando me aproximava do final deixava minhas emoções tomarem conta das minhas decisões, me atrapalhando a ponto de não me permitirem cumprir meu objetivo. Cai duas vezes a beira de transpor os 400 km por isso.

Em
Barras-PI, tomamos talvez a decisão mais sábia do vôo inteiro, forçando quase 90 graus para a direita em direção a uma linha de perturbação que se encontrava acima de uma seqüência de fogueiras. A nuvem que estávamos de olho na verdade nem funcionou direito, mas fomos obrigados a subir bastante tempo em 1,5m/s até atingirmos uma altura segura para pularmos para a próxima queimada.
E assim foi, e
ram 16h30 quando cruzamos a barreira dos 400 kms, ainda restavam 1h e 15 m de vôo, estávamos juntos e só faltavam 23km para o recorde.

Uma euforia tomou conta do grupo e fui muito bem ciceroneado por Marcelo Prieto que nos deu as boas vindas pelo rádio ao seleto grupo de pilotos que passara
m dos 400kms. Mas ainda faltava mais um movimento para ganharmos o jogo. Mais uma térmica.
Os planeios após a barreira dos 400 km foram tensos. Eu e Marcelo n
os mantivemos frios e céticos até estarmos acima da marca dos 423 km, enquanto Frank já comemorava e já tinha certeza de que bateríamos a marca facilmente.
O “go to”do GPS era Miguel Alves-PI (km 455) desde o início do vôo e depois de tudo que passamos, estávamos a pouco mais de 40km da cidade e apenas a 10km do recorde mundial de distância livre. Era o momento de encontrarmos mais uma para garantir.

Alinham
os com uma seqüência de queimadas e chegamos a conclusão de que seria impossível não encontrarmos nada por ali.
Nosso instinto funcionou muito bem durante todo o vôo e não seria agora no final que seria diferente. Encontramos um miolo excelente para o horário que nos colocou de volta acima dos 2000m de altura.
Era hora de controlar friamente as emoções, p
ois o recorde mundial havia sido batido, porém nosso objetivo era Miguel Alves-PI e faltavam ainda 30km. Um dos highlights do vôo sem dúvida foi a chegada ao rio Parnaíba, divisa de estados entre Piauí e Maranhão.
Esse planeio foi emocionante. Como falamos desse momento du
rante tanto tempo, enfim nosso sonho se realizava, 445km de Quixadá e a gente realizando nosso último planeio em direção ao tão sonhado Rio Parnaíba.
Chegamos lá a 200 metros de altura acima de uma queimada onde encontramos bolhas bem formadas e constantes. Era definitivamente um momento de contemplação.

Enfim estávamos 100% realizados, após tantas tentativas, tanto comprometimento e dedicaçã
o. Durante o planeio até o rio, sem dúvida foi o primeiro momento durante todo aquele vôo que consegui relaxar, após 10h e 10m de pura atenção e adrenalina, a cabeça estava livre para pensar em outras coisas. Fiz uma retrospectiva de toda a minha trajetória no vôo livre e agradeci muito a todos os personagens que me ajudaram a estar ali.
Lembrei muito de André Fleury, que c
ertamente estaria ali do nosso lado na parceria caso já estivesse em condições. Definitivamente aquele recorde mundial só estava sendo alcançado no sertão nordestino brasileiro, graças aos esforços de André Fleury e Marcelo Prieto, que durante muitos anos dedicaram seu tempo e conhecimento para desvendar algumas peculiaridades da região. Foi uma quebra de paradigma, pois durante toda a história do vôo livre no sertão, nunca se pensou em decolar tão cedo.
A janela agora rompia a casa das dez horas voáveis. Com o grande diferencial de vento forte e condições meteorológicas perfeitas.
Olhei para o Cecéu ainda em vôo do meu lado com profunda admiração, afinal eu fui abençoado de tê-lo como professor e sou abençoado de tê-lo como amigo. Sei que pra ele aquele momento era tão especial quanto pra mim. Não por simplesmente quebrar o tal famoso recorde mundial de distância livre em Parapente, mas por ser reco
mpensado em grande estilo depois de tanta busca e perseverança.
Foram longos dias fora de casa, suportando muitas críticas, inveja e pressão. E pensar que na
da disso foi em vão. O regime de quartel que sempre fizemos questão de impor para manter nossa disciplina, enfim rendia-nos bons frutos.

Subíamos a quase 2,0m/s constante acim
a do Rio Parnaíba em direção a base da nuvem, eram 17:25h e não tínhamos muito tempo para pousar.
De fato é contra meus princípios não cumprir com certas regras de segurança, entretanto após o pôr-do-sol ai
nda restam pelo menos quinze minutos de luz que permitem perfeitamente pousar em segurança. Se eu não estivesse voando nessas circunstâncias certamente eu aproveitaria cada segundo disponível de luz, porém decidimos abandonar nossa última térmica que nos levaria para os 500km para garantir a homologação do recorde. É justo.
A vegetação do Maranhão já é bem húmida e verde, com árvores e coqueiros enormes que limitam em muito as opções de pouso. Em nosso planeio final ficamos um pouco apreensivos, pois b
atíamos em bolhas fraquinhas que não nos permitiam perder altura, por ironia chegamos a fazer cálculos de quanto tempo demoraríamos a pousar se continuássemos naquela razão de planeio. De fato se continuássemos naquela linha de bolhas ultrapassaríamos a “deadline”, então fizemos orelhas e procuramos um linha ruim que nos colocasse no chão mais rapidamente.
Seguimos uma estrad
a de terra até uma pequena vila chamada Santana Velha, onde aterrizamos num pequeno campo de futebol.
Fomos muito bem recebidos e até um bom arroz e feijão foram servidos bem ao estilo da região. Os locais nunca haviam ouvido falar daquele pedaço de pano voador e por ali nunca
havia passado nenhum tipo de aeronave parecida.
Perguntavam-nos se havíamos pulado de um avião, e quando e
xplicamos que havíamos saído de Quixadá-CE, fizeram aquela cara de quem está ouvindo mentira. A melhor explicação nessas horas é sempre a mais rápida de se entender, portanto dizíamos que um vento muito forte havia nos levado para lá, em parte era uma grande verdade. Sem dúvida esportes como o vôo-livre parecem muito imprevisíveis, pois só conseguimos enxergar as cicatrizes deixadas pelos fluxos, mas nunca enxergamos os fluxos em si. Talvez por isso seja tão incompreendido por todos e encarado como um esporte tão perigoso.
“É muita coragem...” – a frase mais falada na vila. De fato para quem não pratica deve ser loucura.

Afinal passamos mais de dez horas pendurados naquelas linhas a milhares de metros do chão, tomando centenas de decisões, dentro de uma massa que mal enxergamos. Em Quixadá comparo o início do vôo a um rafting, onde a única opção é seguir a correnteza. Mas por mais que pareça uma loucura, existe muito estudo e conhecimento por trás.
Seguimos o plano.
Decolamos no
coração do Ceará, sobrevoamos todo o estado do Piauí e chegamos muito próximos a região amazônica no Maranhão. Cruzamos uma grande parte do sertão nordestino. Os três juntos. A quebra desse recorde não é simplesmente o rompimento de uma barreira numérica, mas também a prova de que o vôo-livre não necessariamente precisa ser um esporte individual e egocêntrico.

Nosso sonho de trabalhar em equipe funcionou. E a equipe não se resume apenas aos pilotos no ar, não podemos esquecer de nosso digníssimo resgate Dioclécio, o Dió, e da SOL Paragliders, que desenvolveu essas velas maravilhosas e nos apoiou muito na conquista.

Quando decidimos voar juntos, sabíamos das adversidades. Somos totalmente programados para competição, portanto nunca olhamos para o piloto ao lado como nosso companheiro, e sim como nosso adversário que devemos em algum momento dispensá-lo.
As vitórias são individuais e não existe espaço para mais de um piloto nos degraus do pódio.
Quando iniciamos nossa busca pelo recorde em Outubro, me peguei em diversos vôos competindo com meu companheiro Cecéu, quando na verdade deveria apenas ajudá-lo e ser ajudado. É sempre muito mais fácil para todos voar em grupo, mas o difícil é transformar esse grupo em um time. Frank em pouco tempo voando ao nosso lado, entendeu nossa filosofia e já fazia parte dela. Foi uma filosofia também iniciada por André Fleury e Marcelo Prieto, e estamos todos ex
tremamente realizados por ter tido a oportunidade de colocá-la em prática de forma tão perfeita e harmônica, culminando em um Recorde Mundial de Distância Livre. A Expedição XCNordeste 2007 finalmente chega ao fim.

Foram 31 dias investidos em Quixadá, Ceará, Brasil. Três recordes importantes batidos, dois sul-americanos e um mundial de distância livre. Quatro vôos muito importantes (397 km, 414 km, 398 km e 461 km). Mais de 3.000km voados e mais de 8.000km rodados pelo nosso resgate. Sem dúvida um sucesso.
Tenho a certeza de que após anos investindo pesado nas Expedições XCNordeste, Ary Pradi deve estar muito satisfeito, afinal três pilotos da equipe
SOL, voando os novos Tracer 11, realizaram um feito inédito no parapente mundial, 461 km juntos.
A SOL, o Ary e os pilotos merecem.
A equipe SOL gostaria de prestar um agradecimento muito especial a Cláudio Henrique Landim de Fortaleza por todo o seu apoio durante a Expedição XCNordeste 2007.

Abraço a todos e que venham os 500km...
Até 2008...


Rafael Saladini


Recorde Mundial - 461,8Km em 14.11.07 por Marcelo "Ceceu" Prieto, Rafael Saladini "Sardinha" e Frank Brown - SOL Tracer 11.



Fonte: SOL Paragliders



sábado, novembro 03, 2007

Enfim, os 300 km!






















por Olympio Faissol


Com dois vôos de mais de 9 horas em Quixadá, realizei meu sonho de voar 300 km. Os vôos, de 359 km e 335 km, podem ser visualizados aqui: 359 km e 335 km

Deixarei os relatos para algum momento tedioso de inverno.

Quixadá realmente é o céu e o inferno.
No primeiro dia, em que o Rafa bateu o recorde sul-americano, com 397km, pousei às 8h00. Voltei correndo para a rampa de moto-taxi. Na segunda decolagem, puxei a vela antes de uma rajada e voei de ré para o rotor, passando maus momentos.


No dia seguinte, a condição estava ainda melhor, com mais nuvens e organizada. Fiz 100km em 2 horas, caindo às 11h00, num venturi ao norte de Tabosa. No momento em que caí, pensava se teria de passar pela mesma, horrenda desilusão do ano passado. Não voltaríamos a ter um dia tão especial como aquele...

Continuei a lutar, mas a condição insistia em azular por volta das 11h00, quando as térmicas passavam a ser falhadas e com cisalhamento. E aí surgia o dilema: seguir lentamente pelo azul ou descansar para o próximo dia?

Somente no domingo (21/10), cravaria os 300. Nesse dia, foi o Rafa quem caiu cedo. Juntos teríamos feito muito mais do que os 335 km que voei (em zig-zag). Cheguei em Piripiri por volta das 16h15, com uma hora e quinze de vôo pela frente. Mas um congestus enorme desaguava sobre a planície no Piauí, fechando a rota para Barras, que estava a um planeio. Não importa, já estava satisfeito.

A verdade é que nenhum dos dias em que voamos foi completo (vento forte e alinhado ao longo da rota, cumulus abundantes e ausência de cirrus). No dia seguinte ao meu vôo, o Cecéu bateu a marca do Rafa, voando 414 km, o primeiro vôo de mais de 400 em território brasileiro. Pegou cirrus na perna final, vendo as chances de derrubar o recorde mundial irem por água abaixo. Uma pena... Mas é muito provável que o recorde caia em território brasileiro nos próximos dias (nota ed.: o recorde mundial foi batido em 14/11 por Frank Brown, Cecéu e Rafa, com 462km).

Meu segundo vôo longo, de 359 km, foi uma lição de que só se pode dar o dia por terminado ao colocar os pés no chão. O vôo começou com condições clássicas, mas azulou no km 70. Daí em diante, fui me arrastando pelo azul até pouco antes de Crateús (rota para leste, um pouco ao sul da tradicional). A condição voltou a arredondar somente no km 160, quando já havia salvo o dia a menos de 50m do chão. Nesse dia, o cirrus voltou a nos atrapalhar. Pousei às 17h00, sem fazer o planeio final, porque a última térmica do dia já era muita fraca para me tirar do chão. O Rafa, que voava uns 15km à minha frente, dispensou o lastro, pousando às 17h40, com 398km.

Nada como a ambição humana... Agora é natural querer os 400. Mas a verdade é que - como disse um escritor mexicano - a Deusa do êxito é uma puta. Sempre haverá pilotos voando mais longe e mais rápido... Quem se apegar demais às cifras, fatalmente terá decepções.

Olhando para trás e fazendo uma retrospectiva dos últimos 6 anos, em que o cross-country tornou secundários todos meus demais interesses, voar mais de 300km terá sido o ponto alto da jornada. E, ainda assim, é uma parte pequena dos muitos momentos espetaculares que esse esporte me proporcionou.

Definitivamente, para mim, o vôo de distância livre põe em cheque qualquer concepção do que seriam, para aqueles que não voam, as férias ideais. Um dia, quando for obrigado a ver pontos turísticos, visitar restaurantes e museus, lembrarei dos gloriosos dias de XC. E, então, olharei com certa incomodidade para o céu e as nuvens, tentando afastar, em vão, a nostalgia dos bons tempos...