sexta-feira, novembro 20, 2009

223 km


por Carlos Barbas

Aquele dia de Junho de 2009 foi sem dúvida fantástico para o parapente em Portugal e em especial para mim porque estava presente.

As condições meteorológicas previstas faziam adivinhar grandes voos. Como é costume nestes dias fico bastante agitado e uma ansiedade tremenda invade o meu corpo parecendo adivinhar o dia que aí vem.
A pressão tornou-se ainda maior porque quando cheguei com o Ciby e o Miguel à descolagem, já o Vítor, o Alex e o Pedro Lacerda tinham partido em direcção a Covilhã.
O dia estava realmente fabuloso e mal descolámos já estavamos a 3400 metros de altitude, isto em menos de 15 minutos.
Eu e o Ciby cometemos aí o primeiro erro, saímos da serra para tentar atalhar caminho e assim podermos apanhar os craques da frente, mas não só não os apanhámos como também fomos direitinhos para o chão, chão esse que só o Ciby tocou porque por milagre eu apanhei uns bafos e lá me safei.

Agora, como na maioria dos meus voos de distância, lá estava eu outra vez sozinho. Quando voamos sós e dep
endemos apenas de nós mesmos para sobreviver, os níveis de concentração aumentam e os nossos sentidos tornam-se muito mais apurados e sensíveis. Tudo isto passa para a nossa pilotagem tornando-se mais activa, evitando assim possíveis erros.
Logo, se voamos com mais segurança, voamos mais e melhor.

Os primeiros 50 km foram os mais difíceis, andava-se menos e estive algumas vezes baixo, mas depois de entrar em Espanha ficou uma delícia, tecto alto e a térmica era do melhor.
O vento aumentou um pouco de intensidade a partir do meio do voo.

Nesta altura já não sabia onde estava nem o nome das localidades.
Andava perdido fisicamente, mas estava bem concentrado na melhor rota a seguir e além disso sabia que o Victor, o Alex e o Pedro andavam algures por aí. O Miguel, que é o homem das recolhas, já andava por perto, como sempre, o que me dava um certo alento para continuar.
O tempo passava sem dar por isso, é sempre assim quando faço cross, e este voo em nada foi diferente dos outros, apenas o número de km foi um pouco maior. Tive direito a tudo o que de bom estes voos nos dão, os Abutres, desta vez em menor quantidade, lá estavam eles a marcar as térmicas, e é impressionante a maneira insignificante com que olham para nós; os caças também estiveram presentes na zona de Penamacor, e estes merecem um pouco mais de atenção e respeito.
É incrível a quantidade de sentimentos e tantas vezes opostos, que um voo
de distância nos provoca, a tristeza e frustração quando tudo parece estar acabado mas de repente a nossa asa leva um abanão e aí a tristeza é substituída pela esperança, lá está ela, uma térmica potente daquelas em que temos a certeza que vamos para a nuvem. Aí a adrenalina toma conta de nós e como que por instinto apenas uma coisa importa, o núcleo.
Mas também é verdade que em determinados momentos do voo o medo e a insegurança me fazem questionar qual a necessidade de pôr a vida
em risco, e é nesta altura que devemos ter a coragem suficiente para não desistir, pois só assim é possível evoluir no voo livre, mas naturalmente que devemos conhecer as nossas limitações e é preciso saber parar quando as condições ultrapassam as nossas aptidões e conhecimentos.
Mas voltando ao voo, no final do dia
a restituição funcionou lindamente e com a velocidade a aumentar os km foram passando (pelo menos na minha cabeça porque na verdade eu não sabia quantos já tinham passado, sabia que eram muitos mas nunca imaginei ter ultrapassado os 200).
Foi uma sensação fantástica poder ver o pôr-do-sol a 3800 metros de altitude, foi lindo!
É também importante referir que o voo durou quase sete horas, nas quais não utilizei acelerador (porque não tenho), não bebi nem comi e no final fiquei com a sensação de querer continuar. Sem dúvida que a força psicológica supera em muito a força física.
Falta dizer que a asa que me tem dado tantas alegrias é uma Advance Epsilon 5. É verdade, é uma 1/2, e é esta asa que me dá segurança e tranquilidade suficiente para poder desfrutar o voo ao máximo. Aconselho a todos os que, como eu, ainda têm pouca experiência e querem evoluir gradualmente no voo livre. Devem começar nesta categoria de asas, e voar o maior número de horas, se possível em montanha. Depois sim, podem comprar uma avioneta, e mais tarde um avião.

Parabéns ao Victor, ao Alex e ao Pedro Lacerda que também fizeram uns voos que vão ficar na memória.

Obrigado ao Miguel pela força que nos transmite, e nos encoraja a ir cada vez mais longe.

Parabéns também à ADVANCE que desenvolve asas com uma qualidade acima da média e nos permitem uma evolução segura.

Foi um dia incrível, pena mais pilotos não terem aproveitado.


Carlos Barbas