por Paulo Reis
Seguindo o exemplo do Gonçalo Velez, decidi tirar as minhas conclusões e relatar as minhas experiências referentes à participação no X-Ceará 2006. Participar no X-Ceará foi para mim uma experiência única para a qual não estava devidamente preparado! A minha decisão em participar foi tardia, pois a menos de duas semanas do início do evento surgiu a oportunidade de tirar 9 dias de férias e não hesitei em inscrever-me à última da hora. Fiquei demasiado apreensivo, pois não sabia exactamente no que me estaria a meter, mas a vontade de participar era muito intensa. O voo de croos-country é para mim tudo o que eu sempre sonhei e desejei fazer enquanto piloto de parapente e desde que existe este evento há 11 anos, que sonhava em participar!
Existem sonhos que, quando pensamos demais nunca se realizam! Para mim não existiam objectivos ambiciosos à partida, pois humildemente sabia que iria encontrar condições de voo muito diferentes do que as que encontro habitualmente aqui em Portugal. Este é um evento que tem características muito próprias, pois em muito poucos lugares do mundo se descola às 8.30h da manhã com vento forte e bastante térmica à mistura, sendo que a térmica mais forte do dia normalmente aparece logo na descolagem.
As descolagens são sempre um momento de extrema concentração e confiança nos ajudantes da descolagem. A sensação que tive foi que a minha vida estava na mão daquelas pessoas que nos ajudavam em cada descolagem. Senão vejamos: As rajadas atingem picos de 50-60 kms hora e as oportunidades de descolar são muito reduzidas, por outro lado estamos de costas para o vento e mal a asa sobe somos catapultados para o ar. Se inflarmos a asa no momento da rajada forte, é bem provável que se venha a conhecer bastante bem o rotor do monte. A saída da encosta e a partida para o voo de distância deve ser feito sempre na base da núvem ou dentro dela e por vezes é necessário ficar à espera do ciclo ideal para subir longe da encosta e derivar para trás. Com descolagens tão cedo, acaba por ser um totoloto aguentarmo-nos a voar nas primeiras horas do dia. Muitos aterram a 20-30 kms por precipitação e os sobreviventes acabam por fazer mais de 300 kms. Confesso que fui um dos assíduos precipitados, pois não consegui perceber logo inicialmente as características deste tipo de voo e tomei sempre decisões precipitadas, que num local onde as descendentes podem ir até aos -7 se pagam rapidamente com aterragens imediatas.
Os gatilhos das térmicas aqui são difíceis de identificar no solo, pois a componente de vento forte baralha tudo e as térmicas são nitidamente arrastadas junto ao solo por diversos kms. Tive a nítida sensação de que as térmicas se formam em escada e por vezes junto ao solo são quase sempre apenas bolhas desorganizadas e turbulentas. A técnica que me pareceu melhor e pude constatar nos últimos dias da prova para voar longe e com garantias era sempre ficar sobre a influência dos cúmulos que se formavam, por vezes até era preferível enrolar a -0.1 e -0,2 do que arriscar transições longas em descendentes brutais. Apenas consegui interiorizar isto nos últimos dois dias, pois nos primeiros havia demasiadas varáveis a aprender e dominar, bem como a confiança não era muito grande e tudo era novo!
Cometi ainda diversos erros devido a estar leve na asa e neste tipo de condições estes erros pagam-se caro! Nos primeiros dias levei 10 kgs de lastro líquido e díficilmente me conseguia movimentar dentro da selete e a asa fechava demasiado.
Nos dias seguintes levei mais 5 litros de lastro, distribuídos de uma forma mais equitativa e o comportamento da asa melhorou significativamente. Quando comecei a adaptar-me ao calor, às descolagens e aterragens radicais, a voar sempre junto à nuvem, consegui fazer um voo interessante de 70 kms que me fez realmente ver as potencialidades do local. Neste voo constatei que o dia ia melhorando sempre gradualmente, e os cúmulos formavam-se no sentido inverso para onde seguia a rota. Por diversas vezes fazia trechos de regresso contra-vento para encontrar as térmicas e resultava na perfeição. Fiz estes 70 kms em 1.30h, sem uma única transição comprida, apenas enrolando constantemente debaixo da nuvem e deixando que o vento trabalhasse em meu favor! Tive um momento em que me desconcentrei e vi as montanhas a aproximarem-se rapidamente e pelo meu IQ Compeo o vento estava demasiado forte, o solo era formado por matas de picos e cactos agrestes, por vezes andava a mais de 95 kms/h. Assustei-me um pouco e decidi estupidamente terminar o voo por ali, pois não estava mentalmente preparado para entrar naquela zona de montanhas e possivelmente ter de aterrar num rotor de uma delas! Aparentemente consegui sobreviver e passar a zona que todos os pilotos consideram mais díficil e a partir daquelas montanhas tudo é possível…
Outro aspecto muito dramático no X-Ceará são as aterragens a andar para trás! No ceará o vento só diminui ao pôr do sol, altura em que é seguro aterrar, isto nos dias em que não entra a brisa do mar (chamado de vento Aracati)! Qualquer outra hora do dia, e especialmente na altura de maior insolação, as aterragens são altamente complicadas. Lembro-me de que apenas consegui aterrar a andar para a frente num dos voos que fiz por lá! Todos os outros foram a andar para trás e alguns com arrastamentos no meio de cactos e vegetação agreste. O maior erro e pelo qual paguei caro foi o de voar leve! Não aterrei dentro duma lagoa por sorte num dos dias, num outro aterrei parachutado e num outro dia tive demasiados fechamentos assustadores e sucessivos junto ao solo, aterrando a 3 kms do local onde fizera a aproximação inicialmente.
A companhia do Gonçalo foi excelente, a organização é impecável e as recolhas são demoradas, pois a rota segue por uma estrada de areia e não é fácil encontrar pilotos que não aterrem junto a essa estrada, o que acontece com regularidade.
O ambiente do evento é pouco competitivo e para muitos o desafio é pessoal e gradual. Enganam-se todos aqueles que pensam que ir ao Ceará é garantia de grandes distâncias! O Ceará é uma escola de voo e humildade! Muitos dos pilotos que por lá andam a fazer distâncias superiores a 300 kms, voam regularmente por lá, têm participado em muitos dos anteriores eventos e conhecem muito bem o local. O vencedor do evento andava a voar na zona há mais de um mês com apoio da Sol paragliders. O segundo classificado participou em 10 dos eventos dos anos anteriores. Se conseguir voltar ao X-Ceará para ano como é minha intenção, terei novos objectivos e a experiência que adquiri este ano de certeza contribuirão para bater o meu recorde pessoal de distância.
terça-feira, novembro 28, 2006
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