terça-feira, julho 17, 2007
Castelo de Vide-Plasencia, 127 km
por Gonçalo Velez
A descolagem de Castelo de Vide, próximo da Senhora da Penha, tem uma paisagem cativante de planície a perder de vista. O terreno não está limpo e coloca-se a asa em cima das ervas e dos arbustos, dá-lhe um ar mais selvagem e montanheiro.
Descolámos com muito optimismo pois a previsão do dia era promissora.
No entanto, os primeiros a fazê-lo, Nuno V, David A, Pedro L e Paulo R, estavam com muita dificuldade em ganhar altitude: enrolavam para trás do monte e regressavam à frente à procura de melhor térmica.
Depois de descolar reparei que por cima da descolagem a térmica era boa e constante e aí me mantive, para depois me juntar ao Eduardo que tinha subido mais ao lado.
Já não me lembro quem virou costas ao vento em primeiro, mas lembro-me de me sentir farto de não conseguir subir mais e de deixar-me ir para trás, mesmo com pouca altura (1240m), ou 500m acima da descolagem!
Quase sempre esta medida de descarga de impaciência dá um mau resultado, mas a intenção era ir explorar outras paragens pois ali só se “estagnava”.
Julguei que encontraria ascendente por cima da vila e do monte do castelo de Castelo de Vide, mas nada. Continuei para sotavento sempre a descer, o Eduardo mantinha-se alto, sobrevoei longas lajes de rocha, sentindo-me muito baixo abri a selette, mas felizmente recuperei a oeste de uma estação de combóios entre C Vide e Marvão, Beirã.
O Eduardo esperava, juntei-me a ele, e seguimos. Atravessámos a planície a oeste de Valência de Alcântara enrolando outra térmica, que era formada de bolhas com muita deriva. Aliás, a maioria das ascendentes do dia até aos 1600m eram bolhas arrastadas pelo vento.
O dia estava muito seco e as condições eram duras, àsperas, o vento forte e a turbulência era constante e tornavam a asa sempre muito agitada. No entanto, as térmicas não eram potentes.
No final da planície volto a estar muito baixo, o Eduardo mais alto enrolava numa térmica para oeste, sigo por cima de campos de oliveiras sempre a baixar. Desaperto a selette, mais adianto encontro-me a menos de 50m do chão e tiro as pernas para fora, mas sinto-me ser levado por uma bolha e deixo-me ir com a deriva.
Passo por cima de um cabo eléctrico que era a minha referência para aterrar, e sinto-me a subir ligeiramente mas a viajar, percorrendo esse território de oliveiras. A térmica torna-se mais consistente e subo com melhor rendimento. Em pouco tempo tenho um bando de abutres a partilhar a ascendente e a girar comigo.
O Eduardo que girava numa térmica mais fraca veio juntar-se a nós. Subiu mais rápido e pisgou-se em transição para NE.
Mantive-me a enrolar e vejo-o a descer imenso na direcção do Tejo. Vejo-o já longe e muito perto da margem direita sobre as oliveiras e pensei “Para que foi ele para ali, coitado?! Já não se safa…” e mantive-me alto. Foi aqui que nos separámos por que depois vi-o a recuperar lentamente e deixei de o ver.
Adiante subia-se mais e comecei a ultrapassar os 2000m e a caír pouco. O vento intensificava-se e às vezes acelerava brutalmente misturado com térmica, o que se traduzia em muita turbulência. Cheguei a observar 80 kmh no gps!
A meio do voo dei-me conta de que já não aguentava os abdominais, com tanto solavanco e esticão estava a sofrer os efeitos de voar com o ventral todo aberto e demasiado deitado na selette! Endireitei um pouco o espaldar da cadeira mas o mal já estava feito… Comecei a voar com grande incómodo.
Tinha furado o cantil na descolagem e não tinha bebido durante o voo, e devia estar bastante desidratado, o que não ajuda à recuperação do esforço.
Passei sobre uma grande albufeira do Tejo a 1700m e, para meu espanto, reparo nos sulcos à superfície da água criados pelas rajadas de vento!
Como não tinha presente a previsão do vento ao longo do dia, achei que as condições podiam ter-se tornado demasiado agressivas, facto que me preocupou bastante.
Decidi voar em frente e aterrar onde fosse. No entanto a sustentação era muito grande e voava uma maioria de tempo sobre ascendente.
A paisagem era formidável e já via à frente a serra de Gredos encimada de uma série de cúmulos. Pensei que talvez esses cúmulos me pudessem tornar o voo mais confortável, mas nunca os alcancei…
Passei os 96 km, a minha distância de 2006, e dado o meu cansaço achei que já estava satisfeito. Fui deixando baixar-me a pouco e pouco, estudei uns campos perto de uma aldeia, abri a selette e já muito baixo, com as pernas de fora, preparado para aterrar, volto a sentir ascendente!
Não resisti à tentação e enrolei com convicção pensando que “ainda não chegou a hora, faço mais um esforço!”.
Voltei a atingir os 1500m e deixei-me ir… Via ao longe uma cidade na base do monte junto a uma lagoa encravada entre encostas que vim a saber ser Plasencia.
Passei o meu recorde anterior de 111 km e achei que ficava nos 115 km, mas as condições pareciam-me fáceis com tantas bolhas a empurrar-me e deixei-me seguir em frente, sem procurar ascendentes, até que aterrei nuns campos herbosos perto de uma manada de vacas aos 127 km de voo (4h11), cerca de 3 km a sul de Plasencia. Aterrei quase na vertical mas o vento não estava tão rijo quanto temi.
Muito obrigado ao Eduardo pela excelente companhia e por ter esperado por mim no início, parabéns pelo voaço!
Muito obrigado ao Nuno Girão e ao Pedro Lacerda pela recolha!
O meu voo na Liga XC Portugal. Voo realizado em 14.07.07.
Fotos: Iva Saiote, Ana Fernandes, Eduardo Lagoa.
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3 comentários:
Lindo!!!
Deveia escrever mais vezes que tens jeito!
olá,
numas pesquisas pela net acabei a 'planar' por este blog e prendi-me a estas aventuras e experiências do parapente. Sempre tive curiosidade em experimentar, não sei se me podes dar alguma dica de como começar. Vivo no Porto, há algum lugar por perto onde me possa informar e experimentar?
No Porto, contacta:
http://academiadoar.web.pt
ou
http://www.sam-cam.com
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