terça-feira, novembro 22, 2005

XCeará 2005

por Gonçalo Velez
Algumas impressões do XCeará:

A mais marcante é a descolagem!
Os brasileiros bem informam que aquel
es ventos, os alísios, levaram o Pedro a "descobrir" o Brasil.
Não queríamos acreditar no que estávamos a ver! Ventos de 30-40 kmh quase constantes. Descolar era um ritual solene que exigia muita coragem. Primeiro havia que abrir a asa em local abrigado, retirar todos os gravetos do voo de véspera, verificar todas as linhas, depois equipar-nos completamente e transportar a asa em cogumelo para a borda da descolagem que tinha uns 40º de inclinação, piso de terra, à espera de vez. Cada descolagem podia demorar muito tem
po à espera do ciclo baixo o que, com luvas, fato, etc provocava muita transpiração! Ar acima dos 30ºC no plano.
Para termos alguma segurança havia que observar dados naturais para decidir quando inflar:
a) quando o lago à frente estava encapelado era sinal de que passava uma térmica que quebrava um pouco a intensidade do vento, e o mais importante,
b) uma árvore 100 mtr abaixo da descolagem, de ramos secos, quando abanava era sinal de vento forte. Quando parava de abanar indicava um ciclo baixo, passados 3-4 segundos confirmávamos
essa baixa (o tempo do ar se deslocar até nós), se a árvore continuava parada sabíamos que tinhamos 3-4 segundos para inflar em relativa segurança.
A organização
tinha uma equipa de rapazes treinados para ajudar à descolagem. Logo que pousávamos o cogumelo abriam-nos a asa e travavam-na com o corpo - 4 rapazes por asa. Às vezes estávamos longos minutos à espera de um ciclo baixo, suando. A asa tinha de subir direita senão podia ser um desastre.
Não esquecer de fazer muita compensação de energia correndo para ela, e virar logo. Imprescindível bons reflexos de correcção pois os planos podiam sair alterados no caso de se impor uma rajada súbita, a asa avançar demasiado
sobre o piloto ou inflar assimetricamente. Muita rapidez na correcção!
Viram-se todo o tipo de incidentes felizmente, sem consequências, excepto esfoladelas e um ombro deslocado de um francês que descolou e pendulou contra o chão. Também houve arborizações à frente, atrás e ao lado da descolagem.
A mim aconteceu-me um episódio preocupante
em que um desses rapazes ficou agarrado à ponta da asa enquanto o restante inflava. Isto ocorreu em simultâneo com uma rajada. Não tive tempo de corrigir: trepada em reverso face à encosta, pêndulo brutal, correcção com a mão errada, contra-correcção rápida, rodo 180º, subida na vertical, grande frontal 5 mtr acima da descolagem, a asa sem velocidade a recuar e a subir, depois estabiliza e avança com acelerador a fundo. Tudo isto num intervalo de tempo muito curto.
Houve 2 dias em que não voámos pois o vento era um exagero.

A organização anuncia 100% de dias voados mas... só para asa delta ou para pilotos temerários.
O público batia palmas às descolagens mais ousadas e que lhe causava enervamento!
As aterragens tinham o mesmo calibre.
Nem pensar em aproximar a pensar que
avançamos contra o vento e que chegamos à clareira visada. A aproximação era feita na vertical do sítio em que queria aterrar. Às vezes fazia a aproximação a barlavento e perto do chão fazia dois wingovers brandos para recuar até ao local pretendido.
Ainda estava a 100 mtr do chão e já se ouvia a algazarra de crianças que corriam para o local onde estava para aterrar. Estávamos sempre rodeados de crianças mal aterrávamos. Arboriz
ar no Ceará será uma experiência terrível pois os arbustos são espinheiros com 4-5 mtr de altura e densos!
Usei a minha serra uma vez por metade da asa me ter caído para cima de um que esta
va na borda da clareira.
O único acidente com gravidade ocorreu na aterragem. Um francês parece ter tido um fecho perto do chão e partiu a bacia e não sei se vértebras. A grande vantagem de aterrar no Brasil é que qualquer um com um veículo a motor nos leva onde queremos por um preço acessível. O pior são as dores de costas brutais por fazerem-se 10-20km na traseira de uma mota com a mochila ás costas!
Só por grande azar se aterra numa zona sem vivalma. A experiência foi sempre de crianças e adultos a correrem para a asa que aterra. Convidam para descansar em casa deles e oferecem comida. O cúmulo da hospitalidade foi, numa das recolhas já de regresso à descolagem, passarmos por uma aldeia e vermos um piloto italiano debaixo de um alpendre sentado à mesa comendo um excelente guisado! Esperámos imenso tempo por ele pois a família, muito modesta, não o queria deixar saír sem comer e mesmo assim ele entrou na furgoneta com um saco de plástico que continha uma grande embalagem de alumínio de onde saía um odor intenso a guisado! Apesar disso, voámos sempre com barras de cereais e muita àgua. Eu descolava com 4 ltr de àgua o que, além de servir para beber e de lastro, dá para refrescar a cabeça e a cara após a aterragem.
O local de voo faz lembrar Porto da Espada: pena-se durante 30 km para depois se voar mais à vontade. As térmicas mais brutais situavam-se na descolagem, o meu vario mediu máximas de 8.8ms a 13.5ms, e produziam descendentes igualmente brutais. Às 8h já havia térmica! Na maioria dos dias às 9h já o céu estava coberto de cúmulos. Depois voa-se quase até o sol se por... De costas para o vento voa-se com o sol de frente o que é pouco habitual aqui, e fica-se com os óculos bem marcados na pele!
A organização foi muito boa e as recolhas eficazes. Isso permitiu-me fazer quase sempre 2 voos por dia!
Ah... outro pormenor, o horário: acordar às 6h e 1ª subida para a descolagem às 7h30. Quem faz um voo de 40-70 km regressa ao hotel às 20h, para um voo de 90-130km às 0h, o Diogo após o voo de 278 km chegou às 5h30 do dia seguinte, e do seu voo de 380 km chegou 24h depois! O transporte é feito sempre em estradas de terra e através de quintas.


Gonçalo Velez

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