por Roque Santos
No passado dia 5 de Agosto efectuei um voo de distância entre a Redinha e Tancos. A distância em si, 55 Km linha recta e 60 Km OLC, não tem nada de especial se a comparar-mos com as distâncias efectuadas pelos nossos "tubarões" do XC, mas, para mim teve um gosto especial por ser o meu próprio recorde pessoal e pelas condições em que o mesmo se realizou, ou seja completamente a solo, sem qualquer preparação prévia de recolha e assistência e sem conhecimento prévio do trilho e do mapeamento das térmicas utilizadas.
A Redinha é um local de voo que, juntamente com a Azinha passe o exagero, se destaca completamente de todas as outras que conheci neste país, que não são muitas, devo confessar.
Se na Azinha se pode voar e praticar XC como se faz lá fora nos Alpes e outros locais típicos de alta montanha. Podemos também aí sentir o que são as grandes térmicas que nos podem levar rapidamente da descolagem a alguns milhares de metros de
altura como se fossemos autenticas "balas de canhão". Podemos também marrecar quando, na maior parte das vezes por nabice, entramos numa descendente irrecuperável e aterrar numa encosta qualquer próxima do skiparque, como já a mim me aconteceu.
Na redinha é diferente a dimensão do voo. É um local pequeno, com pouco desnível (cerca de 150 m), orientado a NW. Aqui a particularidade é que há quase sempre sustentação com ventos fortes ou fracos, quer seja térmica, termodinâmica ou apenas dinâmica ou mesmo com ventos lisos tal como na praia. Dependendo da hora de voo e das condições do dia. Quando há calor e o vento NW ou W se associa, não temos os tiros de canhão da Azinha mas temos mais um tipo de tiros de metralhadora pesada que não é mais que o vento associado à térmica, ininterruptamente. O vento térmico sopra então furiosa e até temerosamente na descolagem. No ar faz-nos subir e descer como numa montanha russa ou pior ainda como se estivéssemos dentro de uma máquina de lavar, por vezes sem conseguir atingir alturas que nos permitam pôr rapidamente a salvo.
A não ser que o dia seja muito bom, é difícil fazer mais que 400/500 metros acima da descolagem.
Outros dia há que até se conseguem fazer uns tectos jeitosos na ordem dos 800 a 1200 metros que dão para sonhar com outros voos mais distantes.
O local também não é por si só muito convidativo ao XC por, as supostas trajectórias de voo sobrevoarem quase sempre zonas que, ou por serem muito arborizadas ou por serem muito irregulares ou por ausência de espaços abertos são quase sempre pouco adequadas e convidativas à aterragem inopinada.
Foi num destes dias que me propus a efectuar um voo de distância. Térmica azul, o vento estava NW fraco, a temperatura rondava os 37º. O tefigrama indicava um teto previsto para 2500 m com um bom gradiente térmico.
Primeira tentativa cerca das 14H00. Aproveitei a influencia da brisa de este e quando o NW não se fazia sentir ainda, tentei uma descolagem na esperança de encontrar um térmica suave, E encontrei de facto mas estava "invertida", pelo que quase empinheirei directamente nas árvores que ficam mesmo por baixo da descolagem. Passei com os pés a rapar nas mesmas e lá consegui aterrar à tanga na nova aterragem que apesar de tudo ainda deve distar para aí 1,5 km, com as curvas todas é claro, da descolagem.
Sem qualquer assistência, abandonei o material e desloquei-me a pé à descolagem. Trouxe o carro para baixo, carreguei de novo o material e desloquei-me de novo para a descolagem.
Eram cerca de 15h15 quando fiz a derradeira tentativa. O vento NW e a térmica à mistura já faziam sentir os seus efeitos na rampa. Com muito esforço lá consegui atingir os 800 m numa térmica esquisita que teimava em deslizar como uma cobra ao longo da crista. Atingido o teto útil derivei sempre sobre a crista do monte à sorte e ao que desse e viesse. O vário começou então naquele triste e lamuriento som de perda que não mais parava, até que mesmo ao final da pequena cordilheira, já com os pés quase a tocar no chão, encontrei as primeiras bolhas térmicas consistentes como até então nunca tinha sentido.
Subi, subi e, qual o meu espanto quando olho para o Flymaster e vejo mais de 2000 metros de altura. Isto já próximo da vila de Ansião. Com teto atingido a cerca de 2500 metros, continuei a derivar em direcção a Alvaiazere. Passei a perder sobre as três eólicas que estão no monte anterior à vila e, ainda sempre a perder, apontei em direcção entre a vila e a descolagem no intuito de aterrar na vila se estivesse demasiado baixo ou passar sobre a descolagem de Alvaiazere se ainda tivesse margem de manobra. Optei pela segunda alternativa e em boa hora o fiz. Passada quase toda a rampa de Alvaiazere a baixa altura e a perder, já mesmo no final consegui engatar mais uma térmica consistente que me levou a mais de 2500 m. Segui em direcção a Tomar. Ao longe via já o rio Tejo e a cidade do Entroncamento. Não havia quaisquer nuvens no céu, mas um forte cheiro e uma ténue nebelina provenientes da fumaça dos incêndios que, havia alguns dias, lavravam na região de Proença A Nova, arranhavam-me os brônquios e a garganta e propagavam-se no céu, tapando parcialmente os raios solares e fazendo baixar a temperatura ao nível do solo, matando assim as térmicas, muito antes das horas que um dia de calor intenso como este faria prever.
Próximo de Tomar, cerca das 17H00 e a perder altura de novo preparei-me para aterrar junto do RI15, quartel onde prestei serviço pouco antes de abandonar a tropa. Quando, mesmo à vertical do dito quartel, sinto começar a soltar-se uma suave e bem vinda térmica que foi o suficiente para me elevar a cerca de 1500 metros e foi quanto bastou para percorrer o lanço até junto à ex Base Aérea Nº3 onde me fui encontrar com os meus companheiros pára-quedistas em actividade que ficaram incrédulos quando lhes disse e mostrei no GPS a distância e alturas percorridas, mostrando eles alguma dificuldade em acreditar ser possível voar assim sem qualquer ajuda motorizada. Também eu pensava assim mas era num passado recente.
Contacto com os meus amigos das Asas de Pombal Daniel que junto com o Vítor, me fizeram a recolha.
No final não deixei de lembrar, alguns, "os Bons" amigos, com quem partilhei momentos de voo e adquiri conhecimento ao longo dos cerca de 3 anos e meio que tenho de prática de parapente, para poder agora aventar-me a estas fantásticos e inesquecíveis aventuras, de onde destaco, em particular, o Vítor Baía que me facultou, praticamente de borla, um manancial de informação e formação, na área da técnica de voo em térmica e em particular na meteorologia, de valor inestimável que contribuíram fortemente para o melhoramento da minha técnica e performance e para o incremento da segurança de voo.
Dados do voo:
Duração do voo 2:29:47
Distancia linha recta 55.90 km
Media 22.39 km/h
OLC Distancia 60.49 km (24.23 km/h)
Max velocidade 91.65 km/h
Max vario 11.5 m/sec
Min vario -4.5 m/sec
Max altitude (ASL) 2903 m
Altitude da descolagem (ASL) 372 m
Min altitude (ASL) 153 m
Roque Santos
"Encontra alguém que fique satisfeito com a tua felicidade e encontrarás um amigo"
No passado dia 5 de Agosto efectuei um voo de distância entre a Redinha e Tancos. A distância em si, 55 Km linha recta e 60 Km OLC, não tem nada de especial se a comparar-mos com as distâncias efectuadas pelos nossos "tubarões" do XC, mas, para mim teve um gosto especial por ser o meu próprio recorde pessoal e pelas condições em que o mesmo se realizou, ou seja completamente a solo, sem qualquer preparação prévia de recolha e assistência e sem conhecimento prévio do trilho e do mapeamento das térmicas utilizadas.
A Redinha é um local de voo que, juntamente com a Azinha passe o exagero, se destaca completamente de todas as outras que conheci neste país, que não são muitas, devo confessar.
Se na Azinha se pode voar e praticar XC como se faz lá fora nos Alpes e outros locais típicos de alta montanha. Podemos também aí sentir o que são as grandes térmicas que nos podem levar rapidamente da descolagem a alguns milhares de metros de
altura como se fossemos autenticas "balas de canhão". Podemos também marrecar quando, na maior parte das vezes por nabice, entramos numa descendente irrecuperável e aterrar numa encosta qualquer próxima do skiparque, como já a mim me aconteceu.
Na redinha é diferente a dimensão do voo. É um local pequeno, com pouco desnível (cerca de 150 m), orientado a NW. Aqui a particularidade é que há quase sempre sustentação com ventos fortes ou fracos, quer seja térmica, termodinâmica ou apenas dinâmica ou mesmo com ventos lisos tal como na praia. Dependendo da hora de voo e das condições do dia. Quando há calor e o vento NW ou W se associa, não temos os tiros de canhão da Azinha mas temos mais um tipo de tiros de metralhadora pesada que não é mais que o vento associado à térmica, ininterruptamente. O vento térmico sopra então furiosa e até temerosamente na descolagem. No ar faz-nos subir e descer como numa montanha russa ou pior ainda como se estivéssemos dentro de uma máquina de lavar, por vezes sem conseguir atingir alturas que nos permitam pôr rapidamente a salvo.
A não ser que o dia seja muito bom, é difícil fazer mais que 400/500 metros acima da descolagem.
Outros dia há que até se conseguem fazer uns tectos jeitosos na ordem dos 800 a 1200 metros que dão para sonhar com outros voos mais distantes.
O local também não é por si só muito convidativo ao XC por, as supostas trajectórias de voo sobrevoarem quase sempre zonas que, ou por serem muito arborizadas ou por serem muito irregulares ou por ausência de espaços abertos são quase sempre pouco adequadas e convidativas à aterragem inopinada.
Foi num destes dias que me propus a efectuar um voo de distância. Térmica azul, o vento estava NW fraco, a temperatura rondava os 37º. O tefigrama indicava um teto previsto para 2500 m com um bom gradiente térmico.
Primeira tentativa cerca das 14H00. Aproveitei a influencia da brisa de este e quando o NW não se fazia sentir ainda, tentei uma descolagem na esperança de encontrar um térmica suave, E encontrei de facto mas estava "invertida", pelo que quase empinheirei directamente nas árvores que ficam mesmo por baixo da descolagem. Passei com os pés a rapar nas mesmas e lá consegui aterrar à tanga na nova aterragem que apesar de tudo ainda deve distar para aí 1,5 km, com as curvas todas é claro, da descolagem.
Sem qualquer assistência, abandonei o material e desloquei-me a pé à descolagem. Trouxe o carro para baixo, carreguei de novo o material e desloquei-me de novo para a descolagem.
Eram cerca de 15h15 quando fiz a derradeira tentativa. O vento NW e a térmica à mistura já faziam sentir os seus efeitos na rampa. Com muito esforço lá consegui atingir os 800 m numa térmica esquisita que teimava em deslizar como uma cobra ao longo da crista. Atingido o teto útil derivei sempre sobre a crista do monte à sorte e ao que desse e viesse. O vário começou então naquele triste e lamuriento som de perda que não mais parava, até que mesmo ao final da pequena cordilheira, já com os pés quase a tocar no chão, encontrei as primeiras bolhas térmicas consistentes como até então nunca tinha sentido.
Subi, subi e, qual o meu espanto quando olho para o Flymaster e vejo mais de 2000 metros de altura. Isto já próximo da vila de Ansião. Com teto atingido a cerca de 2500 metros, continuei a derivar em direcção a Alvaiazere. Passei a perder sobre as três eólicas que estão no monte anterior à vila e, ainda sempre a perder, apontei em direcção entre a vila e a descolagem no intuito de aterrar na vila se estivesse demasiado baixo ou passar sobre a descolagem de Alvaiazere se ainda tivesse margem de manobra. Optei pela segunda alternativa e em boa hora o fiz. Passada quase toda a rampa de Alvaiazere a baixa altura e a perder, já mesmo no final consegui engatar mais uma térmica consistente que me levou a mais de 2500 m. Segui em direcção a Tomar. Ao longe via já o rio Tejo e a cidade do Entroncamento. Não havia quaisquer nuvens no céu, mas um forte cheiro e uma ténue nebelina provenientes da fumaça dos incêndios que, havia alguns dias, lavravam na região de Proença A Nova, arranhavam-me os brônquios e a garganta e propagavam-se no céu, tapando parcialmente os raios solares e fazendo baixar a temperatura ao nível do solo, matando assim as térmicas, muito antes das horas que um dia de calor intenso como este faria prever.
Próximo de Tomar, cerca das 17H00 e a perder altura de novo preparei-me para aterrar junto do RI15, quartel onde prestei serviço pouco antes de abandonar a tropa. Quando, mesmo à vertical do dito quartel, sinto começar a soltar-se uma suave e bem vinda térmica que foi o suficiente para me elevar a cerca de 1500 metros e foi quanto bastou para percorrer o lanço até junto à ex Base Aérea Nº3 onde me fui encontrar com os meus companheiros pára-quedistas em actividade que ficaram incrédulos quando lhes disse e mostrei no GPS a distância e alturas percorridas, mostrando eles alguma dificuldade em acreditar ser possível voar assim sem qualquer ajuda motorizada. Também eu pensava assim mas era num passado recente.
Contacto com os meus amigos das Asas de Pombal Daniel que junto com o Vítor, me fizeram a recolha.
No final não deixei de lembrar, alguns, "os Bons" amigos, com quem partilhei momentos de voo e adquiri conhecimento ao longo dos cerca de 3 anos e meio que tenho de prática de parapente, para poder agora aventar-me a estas fantásticos e inesquecíveis aventuras, de onde destaco, em particular, o Vítor Baía que me facultou, praticamente de borla, um manancial de informação e formação, na área da técnica de voo em térmica e em particular na meteorologia, de valor inestimável que contribuíram fortemente para o melhoramento da minha técnica e performance e para o incremento da segurança de voo.
Dados do voo:
Duração do voo 2:29:47
Distancia linha recta 55.90 km
Media 22.39 km/h
OLC Distancia 60.49 km (24.23 km/h)
Max velocidade 91.65 km/h
Max vario 11.5 m/sec
Min vario -4.5 m/sec
Max altitude (ASL) 2903 m
Altitude da descolagem (ASL) 372 m
Min altitude (ASL) 153 m
Roque Santos
"Encontra alguém que fique satisfeito com a tua felicidade e encontrarás um amigo"
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