quinta-feira, setembro 17, 2009

Atirei-me ao Chão, hein?!

por Gonçalo Velez

O Facto
Em Jul 10 descolei em Vale de Amoreira e após ter subido uns 150m tive um assimétrico (50%) e parece que tive a má reacção de travar o lado contrário.
A asa entrou em perda e sucederam-se uma série de configurações bizarras.
Perante tal, a minha atitude foi manter-me atento, à espera de uma oportunidade de controlar a asa.
Há opiniões divergentes sobre a sucessão de incidentes e as minhas reacções a cada.
Os dois filmes, da autoria do Paulo e Beta Nunes e do João Pinto estão aqui.
Há um momento em que ela parece recuperar no todo mas em que torna a desmanchar-se inexplicavelmente.
Parece haver outro momento em que metade da asa quer voar mas nesse momento estou todo retorcido e com um braço para baixo, travando-a.
O Saiote que se vê voar acima de mim num dos filmes, diz que a asa perto do chão parece tornar a recuperar, mas que se abate à minha frente e entro nela e que devo ter caído de um 4º ou 5º andares. O que me salvou foi ter caído muito perto, a norte, da descolagem onde prontamente tive o auxílio dos companheiros que lá estavam.

Agradecimentos
Tenho a agradecer profundamente a todos os que me acudiram e me salvaram da morte que esteve muito próxima!
A Be
ta e Paulo Nunes, o Miguel Almeida, o João Pinto, o Diego e o Fernando (ambos da Cantábria), o Saiote que me acompanhou do ar e que foi o único a assistir ao meu embate brutal. Lamento muito tê-los sujeito a momentos tão dramáticos e com um desfecho tão horrível.

Sequência
A minha sorte foi terem-me socorrido num espaço de tempo muito curto: o Miguel foi o primeiro a chegar e encontrou-me quase de pernas para o ar mas descansou ao ouvir-me gemer, os bombeiros de Manteigas que subiram de jipe à descolagem e me transportaram de maca para a descolagem, e daqui para Vale Amoreira onde um carro do Inem entretanto chegara e imediatamente se ocuparam de mim.
Os meus agradecimentos ao Sub-Comandante Francisco Tacanho e a Vitor Monteiro, bombeiros de Manteigas, que entenderam a urgência do incidente e actuaram prontamente. No carro do Inem vinha um anjo, a galega Dra Oliana, a quem devo devo estar vivo e a quem muito agradeço!

As Consequências
Fui transportado de imediato para o hospital da Guarda onde fui logo operado pela equipa do Dr Fernando Pessoa. O meu estado era de choque pois quase que perdera todo o sangue.
A minha bacia estava fracturada de forma raramente vista numa pessoa viva: o sacro tinha-se separado da bacia além de que fracturara os ilíacos! O sacro é onde acaba a coluna vertebral e daí partem grandes feixes de nervos.
Esmaguei o colo do úmero esquerdo, mas isso é o menos. A minha pele em todo o corpo estava intacta, não havia um corte ou esfoladela na pele. Devo ter embatido na posição de sentado, a pender para a esquerda (ainda bem a minha Impress ser a 2+!).
Devido às implicações neurológicas, todo o lado esquerdo do meu corpo está diminuído.
Depois de uns dias no hospital Francisco Xavier para estabilizar o meu estado e drenar os pulmões, estou há dois meses no hospital Santana da Parede, especialista em ortopedia, onde fui operado pela equipa do Dr António Martins logo que dei entrada. O médico não me deixa por de pé antes dos 3 meses da operação (2ª metade de Outubro).
Estou cá há 2 meses e há mais de um mês que faço fisioterapia. Sinto-me revigorar, muitos músculos a voltar à actividade e o ânimo a fortalecer-se.
Antes tinha um corpo feito de gelatina, sempre imóvel e a regredir fisicamente. É incrível como os músculos imóveis perdem rapidamente as suas funções!
Agora sinto-me renascer e invisto muito no exercício físico. Conto ser transferido para o Centro de Reabilitação de Alcoitão na próxima semana onde espero acelerar a recuperação.

O Equipamento
Depois do acidente fiquei a saber que as linhas da Mercury encolhem com o tempo, ou com a falta de carga!
Faço alpinismo há quase 30 anos e tenho 100% de confiança no equipamento que uso. Nunca me passaria pela cabeça duvidar da fiabilidade de uma corda ou de um mosquetão ou outro artigo de uma marca conhecida.
Revendo o meu percurso com a Mercury dou-me conta de que sempre tive gravatas à esquerda e nunca as tive à direita!
A meio da época de 2008 achei estranho ter de compensar com o manobrador esquerdo para voar a direito (recebi a asa nova em Maio 2008). Atribuí sempre esse facto a aerologia e nunca lhe dei muita importância.
Em Maio passado o Cláudio ajudou-me a medir as linhas: comparar uma linha com o simétrico do outro lado. Havia muitas diferentes e sete com uma diferença de mais de 5 cm! Piorámos a situação pois as longas deveriam ter ficado como estavam, e as curtas é que deveriam ter alongado.
Outro facto a juntar é que nunca me preocupei com os trims e passei todo o tempo a voar com ela "destrimada", o que parece contribuír para o encolhimento das bandas C e D.
Francamente, nunca dei muita importância à questão do equipamento pela experiência que refiro do alpinismo, e vivia confiante.
(Nota: no dia do acidente a asa tinha 97h)

A Psicologia do Evento
Nunca olho para a asa em voo, excepto quando sinto algo de estranho.
Lembro-me de ter olhado para cima e de tê-la visto sem carga alar, pouco depois ela aparece-me à frente. Depois disso mantive-me atento, à espera de uma configuração que conhecesse e que me permitisse recuperá-la. Isso não aconteceu e fez-me perder altitude.
Embora achasse que recuperá-la provocando uma perda seria imprudente pela falta de altitude, isso já me estava a acontecer!
Em Itália, em Maio passado, depois de uma gravata e de outros incidentes intempestivos
que aconteceram numa zona perto de rochedos e com térmicas brutas, a asa, em certo momento, iniciou uma espiral, o que foi o indício para lançar o reserva.
Em Vale de Amoreira faltou-me o indício!
Fiquei entregue à inexperiência neste tipo de incidentes e ao optimismo e à confiança de que me safaria... e não detectei o momento de lançar o reserva!

Mais Agradecimentos
Peço desculpa a todos os que me contactaram para desejar as melhoras e a quem não respondi. Foram tantos amigos a fazê-lo e tantas as manifestações de amizade, que me deixaram impotente para reagir, sobretudo sofrendo de diminuição física. Estive incomunicável nas primeiras semanas e sem vontade de o fazer nas seguintes. Ainda hoje passados dois meses do acidente quase só teclo com uma mão, mas recuperei a energia mental!!
Muito obrigado por tanta amizade e tanto cuidado.
Tenho recebido regularmente visitas de bons amigos que muito ânimo me têm dado, e tem sido bom revê-los.
Tenho a salientar uma grata aparição que tive ontem: o Rodrigo Afonso, ex-monitor do Vertical e que vive entre Serra Nevada e San Martin de Bariloche na Argentina! Foi bom revê-lo após tantos anos.
Agradeço ao Dr Fernando Pessoa e à sua equipa do hospital da Guarda terem-me operado prontamente. É bom saber que no interior do País também se prestam serviços de elevada qualidade.

Comentários
Gostaria muito que os nossos pilotos de competição fizessem os seus comentários ao que exponho acima e que publicaria aqui. A troca de opiniões, mesmo que divergentes, só nos enriquecerá!
Espero que mais acidentes sejam divulgados e analisados: comecemos com o meu.
Obrigado.

Futuro
Próximos meses a recuperar, voltar a casa dentro de um a dois meses e voltar à VIDA e ao trabalho. Espero conseguir recuperar totalmente do ponto de vista físico e neurológico, dizem-me que na maioria das vezes é só uma questão de tempo.
Também já conjecturo que asa irei comprar para a próxima época.


Fotos: Beta Nunes

15 comentários:

kinesthesia disse...

Força Gonçalo, e um abraço!

Nelio

João Pinto disse...

Olá Gonçalo,
Pois é,pregaste um susto a malta!!Rapidas melhoras,e espero te encontrar em breve aqui na serra a voar!!

Um grande abraço

João Pinto

Tenera disse...

Boas Gonçalo,

Estou em Madrid mas vejo que estás melhor e já podes escrever.

Estou em falta contigo mas prometo que assim que puder agarro no outro coxo (Fonseca) e passo aí a visitar-te.

UM GRANDE ABRAÇO,

Tenera

parapent1sta disse...

Obrigado pelo teu relato!

E as rápidas melhoras!

Um abraço
Sérgio Silva

Jordaozinho disse...

Gonçalo meus votos de melhoras,que volte a ativa o mais breve possivel,a algum tempo tive acesso aos videos, as panes acontecem, faltou a vc lembrar se do paraquedas ele resolveria seu problema... abçs

Unknown disse...

Olá Gonçalo, obrigado pelo teu relato que conseguiu comover-me.
Espero que te recuperes da melhor maneira e que te encontre tão breve quanto possível numa descolagem qualquer.
Um abraço e muita força.
Sérgio Domingos

Unknown disse...

Gonçalo desejo-te as rapidas melhoras e espero ver-te por aqui brevemente.

R. disse...

Olá Gonçalo, muito me conforta saber que recuperas e te mantens um homem forte e de forte convicções. Tenho seguido o teu caso no silêncio, mas com muita atenção. Gostaria imenso de te poder ver pessoalmente e te poder dar mais um pouco de força, assim como muitos teus te têm vindo a dar. O muito obrigado pela partilha, com certeza enriqueceste a mim a muitos mais a consciencialização referente a este magnifico desporto que é o Parapente. As rápidas melhoras e um grande abraço (sem magoar mt)..;)
Roberto T.

Um piloto espanhol. disse...

Força Portuga!!

Dende Espanha (Ja se sabe, nem bom vento nem bom casamento) mandote um abraço e os meus desejos dhuma pronta recuperaçao.
As coisas numca aconteçem por acaso e tirar lecçoes delas nem sequer é umha posivilidade para muitas pessoas, vejo que sim é para ti.
Tou certo de que o Dr. Fernando Pessoa dijo-te: O mundo é de quem nasçe para conquistalo e nao de quem sonha que posse conquistalo.
Ou sería outro Fernado Pesoa?

Força Portuga!!

Ramon disse...

Hola Gonzalo te deseo una pronta recuperacion y un abrazo, desde caceres, un abrazo

Ramon

Anónimo disse...

Olá Gonçalo.

Desejo-te as mais rápidas melhoras desse teu aparatoso acidente.

Paulo Roxo

Anónimo disse...

A nossa caminhada de reconhecimento de novos paseios mantêm-se marcada entre o natal e o inicio do ano...

como tem sido nosso costume nos ultimos anos...

Força pá...

Abraço

Berto

Margarida disse...

Gonçalo,
espero que recupere depressa e que tudo regresse á normalidade. Não nos conhecemos Gonçalo, mas temos uma amiga comum em Londres. Deu-me o seu contacto porque eu inciei-me no Parapente no inicio do verão, mas com este lovelly british weather fui incapaz de ter as condições necessárias para terminar o EP! Espero que nos cruzemos no futuro. As melhoras e ânimo...
Margarida

João Pinto disse...

Olá Gonçalo!
Acabei agora de ler o seu relato ao acidente por si sofrido em parapente.
Quero em primeiro lugar desejar-lhe as rápidas melhoras e aproveitar uma vez que já estamos em época natalicia um feliz natal!
Em segundo lugar agradecer-lhe pelo excelente relato da sua infeliz experiência o que mostra uma grande maturidade e um enorme contributo para todos os amantes dos desportos de aventura, é defacto uma lição!
Obrigado
João Manuel Nunes Pinto (PPG)

josemanuel disse...

Hola Gonzalo: Hablé contigo en el despegue de Castelo de Vide, sobre la recuperación, te hablé de la gimnasia mental y te dije que te mandaría información:
Del libro inocencia radical de Elsa Punset

Pagina 137
Gimnasia mental
Cuenta Marianne que tras una larga convalecencia de cuatro meses por una rotura grave en la pierna, regresó a clase y preguntó si alguien podía adivinar qué pierna había estado escayolada. Nadie pudo hacerlo. Explicó que durante todo ese tiempo a diario, había hecho ejercicios mentales de estiramiento y movilidad con la pierna rota. Cuando le habían retirado el yeso, sus músculos estaban prácticamente intactos. Varios estudios confirman el poder del ejercicio mental sobre las destrezas motoras; también se ha comprobado la eficacia, en el caso de los músicos, de practicar un instrumento musical de forma imaginaria
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Estoy seguro de que tus mejores deseos se cumplirán
salud
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